A campanha ardilosa da Philip Morris para liberar o cigarro eletrônico no Brasil

Pela primeira vez, o número de fumantes no Brasil deixou o patamar dos dois dígitos, caindo de 10,1% de 2017 para 9,3% em 2019, segundo o Índice Vigitel, inquérito telefônico do Ministério da Saúde que mensura o número de fumantes em nosso país. Se considerarmos uma série histórica mais ampla, concluiremos que, felizmente, o número de fumantes vem despencando ao longo do tempo: eles eram 35% em 1989. Isso significa que as campanhas que escancaram os prejuízos do cigarro para a saúde e a conscientização crescente dos brasileiros têm surtido efeito. Evidentemente, a indústria do tabaco tem acompanhado essa redução com enorme preocupação e feito o possível para evitar que seus lucros elevados caiam, com um lobby poderoso junto ao governo e a utilização de estratégias de comunicação que não primam pela ética e sim, pela tentativa deliberada de enganar ou confundir os cidadãos.
A ação mais recente é a campanha da Philip Morris para incentivar o uso do cigarro eletrônico, tentando situá-lo com a melhor alternativa para combater os malefícios do cigarro. Quem acompanha a trajetória da indústria tabagista sabe que, lá trás, ela jurou solenemente que o cigarro não fazia mal, não causava câncer e o cowboy da Marlboro é exemplo emblemático desta farsa que matou e tem matado milhões de pessoas anualmente em todo o mundo.
A campanha da Philip Morris é insidiosa e busca desarmar a vigilância do brasileiro e convencer as autoridades a liberar o cigarro eletrônico, como se ele fosse um mal menor, o que não é absolutamente verdade. Embora, comparativamente ao cigarro tradicional, ele possa matar e adoecer um número menor de pessoas, o prejuízo alcançaria um nível ainda tão alarmante que seria irresponsabilidade permitir a sua comercialização e uso.
É fundamental reforçar o alerta feito em 2015 contra o cigarro eletrônico, que consta de uma carta aberta assinada por inúmeras entidades importantes da área da saúde, a Associação Médica Brasileira (AMB), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Aliança para Controle do Tabagismo e Saúde (ACT), o Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (CETAB) - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – Fundação Oswaldo Cruz e o Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo do IDT-UFRJ e o Centro de Apoio ao Tabagista (CAT).
Reproduzimos abaixo um trecho desta carta (http://actbr.org.br/uploads/arquivo/1016_CARTA_ABERTA_CIGARRO_ELETRONICO.pdf) e renovamos o pedido às autoridades para que não cedam às pressões de representantes da indústria do tabaco que objetivar liberar esta arma letal contra a saúde do brasileiro:
O Cigarro eletrônico produz um vapor que não é inofensivo, tem sabores adicionados (aditivos e flavorizantes), e não é composto somente por água, tendo em sua composição o gelo seco, podendo conter ou não a nicotina. No mercado, já há mais de 8 mil sabores o que favorece e atrai a iniciação de jovens curiosos e ávidos por novas experiências.
A análise da composição do vapor tem evidenciado a presença de Propilenoglicol (gelo seco), a qual durante o aquecimento forma uma substância cancerígena – Óxido de propileno. Além disso, contém Glicerol, substância não aprovada para inalação humana, pois quando inalada em grandes quantidades causa lesão do tecido respiratório, congestão pulmonar, podendo levar à morte. O Glicerol quando aquecido em baixas temperaturas forma a Acroleína (vulgarmente conhecida como Creolina), responsável por danos ao pulmão e ao coração, e, em altas temperaturas dá origem ao Acetaldeído (um dos principais carcinogênicos do tabaco). A temperatura de vaporização da resistência do cigarro eletrônico pode atingir até 350ºC. Nessa temperatura são formados a Acroleína e o Formaldeído (popularmente conhecido como formol, conservante de cadáveres), ambos em quantidades maiores que na fumaça do cigarro tradicional. A absorção em longo prazo do Hemiacetato de formaldeído aumenta de 5 a 15 vezes o risco de câncer.
Além dessas existem outras substâncias como o Etilenoglicol que causa desde irritação na pele, olhos, nariz, garganta até a perda da coordenação motora, convulsão, lesão renal e cerebral, podendo chegar ao coma. Essa substância pode causar má formação no feto.
Nos cigarros eletrônicos foram encontradas as Nitrosaminas que são, sem sombra de dúvida, substâncias classificadas como cancerígenas. Nos cigarros eletrônicos foram encontrados também metais pesados como sódio, ferro, alumínio e níquel, todos causadores de alterações respiratórias. Os três últimos desencadeiam fibrose pulmonar, e o níquel causa câncer de pulmão e dos seios da face.”
O documento conclui:
“No caso do tabaco, todas as formas e disfarces criados pela indústria do tabaco ao longo da história já demonstraram os danos, incapacidades e mortes causadas que superam em muito todas as duas grandes guerras mundiais. Se o cenário não mudar, o pesadelo continuará principalmente para a saúde pública e, consequentemente, para os cofres públicos.
Sem dúvida, os cigarros eletrônicos são mais uma estratégia da Indústria do Tabaco para desconstruir as medidas educativas e protetoras de saúde pública no Controle do Tabagismo da Organização Mundial da Saúde em vigor no Brasil e em mais de 178 países. Além disso, é também uma estratégia de sobrevivência visando reverter à redução de lucros decorrentes da redução do consumo dos cigarros convencionais”.
Preferimos ficar com os que defendem a saúde, denunciando o lobby da indústria do tabaco no Brasil e no mundo. Os fumantes do cigarro tradicional e do cigarro eletrônico precisam ser alertados de que eles matam. Sem dó, nem piedade.
A vigilância cívica deve permanecer. Não há outra alternativa, se quisermos construir um mundo mais decente, mais humano, mais solidário e mais justo. Ter coragem e demonstrar competência para denunciar crimes corporativos são atitudes indispensáveis para a consolidação da democracia. Por que não exercitá-las todos os dias diante dos abusos do poder político e econômico?
Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.