Loading color scheme

A corrosão da ética médica em tempos de pandemia

Os depoimentos contundentes de familiares das vítimas da Covid-19, sob os “cuidados” da Prevent Sênior, a manipulação abusiva do conceito de autonomia médica e os desatinos cometidos pelo Governo Federal durante a pandemia indicam claramente que a ética médica foi para o espaço.

Um grupo numeroso de médicos aderiu ao tratamento precoce, prescrevendo medicamentos comprovadamente ineficazes, e o Conselho Federal de Medicina e o próprio Ministério da Saúde omitiram-se, escandalosamente, sob a alegação de que os estudos realizados eram ainda inconclusivos. Todos eles, em uníssono, defendem, ainda hoje, que a ineficácia da cloroquina, ivermectina e outros remédios menos votados não está cientificamente definida.

O que pudemos assistir, ao longo deste espetáculo de desinformação e de afronta à ética médica, constitui um cenário aterrador que foi objeto de análise, por vários meses, da CPI da Covid, instaurada no Senado Federal.

Ficou evidente que a flexibilização dos princípios que norteiam a ética médica atendeu a interesses espúrios e que muitos profissionais de saúde aderiram a soluções mágicas voluntariamente para auferir vantagens pecuniárias ou para estar em sintonia com uma posição política e ideológica caracterizado pelo negacionismo e pela rejeição das evidências científicas.

Os cuidados com a saúde não podem estar à mercê destas circunstâncias, sobretudo quando se está em jogo a vida do cidadão brasileiro. Pagamos caro por esta afronta à ética médica que pode ser, pelo menos indiretamente, responsabilizada por parcela significativa do total de mais de 600 mil vítimas da Covid em nosso país.

É preciso, com urgência, retomar o debate sobre este tema e internalizá-lo em nossos cursos de Medicina, muitos dos quais não oferecem sequer uma disciplina que contemple a ética como objeto de estudo. O juramento realizado pelos profissionais de saúde, à conclusão de seu curso, parece vazio, quando contemplamos a atual realidade, porque, na prática, como ficou escancarado no caso da Prevent Sênior, muitos pacientes foram tratados como cobaias, o que configura um crime hediondo.

Muitas lições aprendemos com a pandemia e uma delas foi de que há setores, grupos, profissionais que não estão comprometidos com a vida dos brasileiros e que é necessário incluir, urgentemente, a sociedade neste debate.

A ética médica foi violentada no Brasil e esse fato é grave e merece a atenção de todos nós e, particularmente, das escolas ou cursos de Medicina.

Sugerimos aqui a leitura da reportagem de Evanildo da Silveira, intitulada “O que aconteceu com a ética médica”, publicada na revista Questão de Ciência, de 7 de outubro de 2021. Endossamos a reflexão da médica de Família e Comunidade Magda Moura de Almeida Porto, do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC) e vice-presidente Associação Cearense de Medicina de Família: “A ética permeia toda a prática da medicina, que começa com o exemplo dos docentes, e a relação professor-aluno e professor-paciente é capaz de gerar impacto muito maior que a discussão meramente cognitiva de aspectos deontológicos”.

É preciso ensinar os princípios da ética médica e, especialmente, exercer vigília permanente para que eles sejam aplicados. A vida dos brasileiros merece respeito.

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.