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A importância da vigilância cívica e da coragem para denunciar os crimes corporativos

Muita gente se surpreendeu com a revelação recente da Bayer sobre uma postura não ética da gigante agroquímica e de biotecnologia adquirida por ela no ano passado: a Monsanto monitorava e jornalistas e políticos que expressavam posições contrárias a ela.

Arrogante e truculenta (como é possível perceber nitidamente no documentário “O mundo segundo a Monsanto”, disponível em vários idiomas, e inclusive legendado em português no YouTube), a produtora do glifosato (provoca mesmo câncer, como indicam processos em curso nos EUA?) sempre perseguiu os seus adversários,  buscando eliminá-los a todo custo, nem que para isso fosse necessário utilizar procedimentos não éticos, um dos quais confessados agora pela sua nova proprietária.

É fundamental esclarecer que a postura da Monsanto não se trata de um caso isolado e, efetivamente, não surpreendeu quem acompanha de perto, há longo tempo, a movimentação de corporações globais que, sem escrúpulos, atentam contra a democracia e a liberdade de expressão. A Monsanto não é a única corporação, nacional ou estrangeira, a agir desta forma, e há relatos repetidos de que essas condutas lamentáveis acontecem em vários setores, sobretudo naqueles caracterizados por lobbies poderosos, como a indústria de armas, farmacêutica, tabagista, de alimentos e de mineração, para só citar alguns casos.

Os interessados em obter maiores informações sobre condutas reprováveis de empresas gigantescas podem ler, por exemplo, dentre outros, os livros disponíveis em língua portuguesa, como “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. Como somos enganados e o que podemos fazer a respeito”, de Márcia Angell (Rio de Janeiro: Editora Record, 2009); “Medicamentos mortais e crime organizado. Como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica”, de Peter C. Gotzsche (Porto Alegre: Bookman, 2016); “Cobaias humanas: a história secreta do sofrimento provocado em nome da ciência”, de Andrew Goliszek”; Crimes Corporativos: o poder das grandes empresas e a perda da confiança, de Russel Mokhiber (São Paulo: Scritta. 1995); Uma verdade indigesta. Como a indústria alimentícia manipula a ciência do que comemos, de Marion Nestle (São Paulo: Editora Elefante, 2019). Já está publicado, inclusive, o livro com o mesmo título do documentário sobre a Monsanto, “O mundo segundo a Monsanto”, de Marie-Monique Robin (São Paulo: Radical Livros, 2008).

Ignorar o jogo sujo de inúmeras corporações é fechar os olhos a um número significativo de escândalos, como os que ainda assistimos no Brasil, envolvendo frigoríficos, construtoras, empresas de petróleo etc, resultado da relação espúria do poder econômico com partidos, parlamentares e governantes, o que se repete no mundo todo como reflexo do capitalismo selvagem e da falta de compromisso público.

O discurso da sustentabilidade e da responsabilidade social é afrontado a todo momento porque grandes negócios muitas vezes escondem escandalosos deslizes éticos.

No caso específico da Monsanto, mas que também se repete em muitos outros, houve a participação condenável de agências de comunicação e de propaganda que operacionalizam ou mascaram medidas de manipulação da opinião pública e dos consumidores em particular. Estaa atitude se compara a de advogados que, mesmo sabedores dos crimes inomináveis dos seus clientes, tentam negá-los descaradamente, apesar das evidências irrefutáveis. Pior ainda: montam estratégias para travestir de carneiros os lobos famintos por lucros.

Contemplamos infelizmente a existência de empresas e governos que proclamam a importância do comportamento ético, da transparência, da governança corporativa, da integridade moral, mas que, na prática, desobedecem a estes valores básicos, certos de que o seu poder econômico e político lhes garantirá a impunidade.

Embora como profissionais ou simplesmente como cidadãos não possamos, sozinhos, reverter este cenário, é fundamental que denunciemos os abusos, as transgressões morais e que cobremos ações enérgicas para coibi-los. A ação coletiva pode, a médio e a longo prazos, gerar resultados positivos em nome da cidadania e, mesmo que não consigamos êxito com esta mobilização,  terá valido a a pena cultivar esta utopia.

Não é aceitável cruzarmos os braços, enquanto empresas como a Vale comete crimes ambientais recorrentes diante dos nossos olhos e permanece impune, apesar de centenas de mortes e da destruição de comunidades e do meio ambiente. Cada um de nós, pode fazer mais do que simplesmente rezar para que mais uma represa da Vale, agora em Barão dos Cocais, não se rompa e destroce a vida de milhares de pessoas.

A vigilância cívica deve permanecer. Não há outra alternativa, se quisermos construir um mundo mais decente, mais humano, mais solidário e mais justo. Ter coragem e demonstrar competência para denunciar crimes corporativos são atitudes indispensáveis para a consolidação da democracia. Por que não exercitá-las todos os dias diante dos abusos do poder político e econômico?

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.