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Afinal de contas, quem pauta a imprensa? É melhor contar a verdade para os futuros jornalistas

Os estudantes de Jornalismo aprendem nas salas de aula que toda reportagem se inicia com uma pauta, um roteiro básico focado em um tema, com informações mais ou menos detalhadas sobre fontes e focos de cobertura, que são definidos pelos editores dos veículos em função de sua linha editorial.

As reuniões de pauta são “glamurizadas” de tal modo que os futuros profissionais imaginam quem, com elas, estarão diante de editores competentes e experientes, prontos para um debate profícuo que norteará a cobertura da próxima edição. Para os jovens, sempre há uma reunião de pauta, comandada a partir da redação. Na prática, para eles (foi assim que aprenderam), a boa reportagem começa por aí.

 Como dizia o poeta, ledo engano. Embora reuniões de pauta existam mesmo, é fácil perceber que, na maioria dos veículos, agora fragmentados em editorias, e, portanto, com tempos de produção diversos, as coisas não são tão óbvias, as discussões são menos amplas do que se poderia imaginar e nem tão charmosas.

Um olhar, ainda que ligeiro, pelas reportagens/notícias dos nossos jornalões vai nos encaminhar para fora das redações, se quisermos efetivamente identificar a origem das pautas. Em boa parte, elas têm sido gestadas, pensadas, planejadas nas assessorias de imprensa a serviço das empresas, entidades e mesmo dos governos. Com raras exceções, as pautas se originam das redações, ainda que estas possam, ingenuamente, imaginar que as tenham sob controle.

A imprensa brasileira não é tão investigativa como proclama ser, não é ética suficiente para cobrar, com legitimidade, esta postura de empresas e governantes e nem tem “rabo preso com o leitor” coisa alguma. Pelo contrário, esta visão (também “glamurizada” de objetividade e neutralidade) nunca existiu e nunca existirá em imprensa alguma porque, afinal de contas, todo veículo tem vínculo, tem passado e presente (que às vezes o condenam), e tem patrão e financiadores diretos e indiretos. Não é preciso fazer curso de Jornalismo para saber que imprensa totalmente livre “é história para boi dormir”.

A imprensa brasileira precisa estar consciente da sua atual fragilidade, que se intensifica à medida que o departamento comercial bota o dedo nas redações (em muitos casos chega a enfiar a mão toda e o pé todo, configurando um verdadeiro estupro profissional).

Isso significa que ela, em muitos casos (seria a maioria deles?) precisa iniciar, com urgência, um processo de reformulação, buscando aumentar a sua massa crítica. Deve substituir os equivocados “projetos de mercado” e “publieditoriais” por um jornalismo realmente comprometido com o debate público e não ficar “cobrindo buraco de metrô” apenas quando a cratera está enorme e já engoliu pessoas inocentes

A imprensa brasileira precisa deixar de ser pautada pelo oficialismo governamental e desconfiar mais das coletivas oportunistas e dos executivos adestrados em programas de “media training”.

As reuniões de pauta só poderão ser frutíferas para a cidadania (as reuniões atuais, quando existem, favorecem mais os anunciantes e as agências de comunicação a serviço das grandes empresas) se os jornalistas, previamente, se dispuserem a investigar, a enxergar além da notícia, a confrontar informações, e a buscar, por conta própria, aquilo que as fontes jamais entregarão de bandeja.

Se as reuniões de pauta voltarem a acontecer sob o controle efetivo das redações, talvez tenhamos chance de encontrar, nas bancas e na web, veículos mais plurais, mais inteligentes e menos previsíveis. Talvez as manchetes e as chamadas de capa deixem de ser as mesmas em todos os veículos e comecemos a encontrar novamente os jornalistas cruzando as ruas e não apenas frequentando os saguões refrigerados das empresas, os corredores do Congresso e vivendo à mercê de fontes comprometidas com interesses nada republicanos.

Não há outra saída: para pautar de verdade, é necessário abrir os olhos, arregaçar as mangas, gastar sola de sapato e descartar a mesmice. As boas pautas não costumam cair no colo e só podem ser feitas com autonomia e coragem. Exatamente o contrário do que propõe o Departamento Comercial, que prefere agradar os anunciantes e torna os jornalistas preguiçosos.

Os estudantes, quando chegam às redações, logo descobrem a dura verdade: as pautas estão sendo arquitetadas fora das redações.  Sem qualquer “glamour” e contaminadas por lobbies e interesses. É pena porque muitos deles acabarão aceitando as regras do jogo, que tem cartas marcadas. O Jornalismo e a cidadania sempre perdem, quando isso acontece.

É importante destacar que há dezenas de jornalistas e um punhado de veículos que continuam exercendo dignamente o seu papel, praticando e fortalecendo a independência editorial e contribuindo para o debate democrático de temas atuais e relevantes. Mas, num país de dimensão continental, com centenas, talvez milhares, de veículos que se proclamam jornalísticos, que ocupam, prioritariamente, o mundo digital, a realidade é outra. Nada de reunião de pauta, mas sim a busca obsessiva pelo chamado “jornalismo patrocinado”, de encomenda, a serviço de interesses comerciais, políticos e até pessoais. Está na hora de revelar esta verdade aos futuros jornalistas.

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.