As síndromes do Jornalismo Ambiental
O Jornalismo Ambiental brasileiro tem se caracterizado por algumas síndromes, equívocos formidáveis que têm impedido o cumprimento de suas inúmeras funções (informativa, pedagógica, de conscientização ou ativista).
A primeira delas – a “síndrome do zoom ou do olhar vesgo” – tem a ver com o fechamento do foco da cobertura, a fragmentação que retira das notícias e reportagens ambientais a sua perspectiva inter e multidisciplinar. Esta síndrome é favorecida pelo processo acelerado de segmentação jornalística, mais concretamente a divisão de veículos em cadernos e editorias.
A redução da cobertura ambiental a um olhar (econômico, científico, político) tem sido um terreno fértil para leituras particulares e negativamente comprometidas sobre a questão ambiental e inclusive para a legitimação de conceitos absolutamente inadequados. Por este motivo, é fácil encontrar nos cadernos de economia expressões como defensivos agrícolas no lugar de agrotóxicos (que é o termo adequado porque estamos falando de produtos tóxicos) ou mesmo a designação de plantação de eucaliptos como florestas, o que é uma aberração conceitual tendo em vista a redução de uma multidiversidade a uma monocultura.
A segunda delas – “a síndrome do muro alto” – diz respeito à tentativa de despolitização do debate ambiental pela desvinculação entre as vertentes técnica (comprometida com a perspectiva empresarial) e as demais vertentes (econômica, política e sócio-cultural). Na prática, ela situa a vertente técnica como a prioritária e busca desqualificar todos aqueles que vêem a questão ambiental a partir de um cenário mais abrangente. Ela respalda o discurso das elites e busca excluir os cidadãos comuns e mesmo determinados segmentos da sociedade civil do processo de tomada de decisões, defendendo a competência técnica como critério exclusivo de autoridade. Ela se manifesta nos editoriais dos grandes jornais (como o Estado de S. Paulo) que insiste em tornar o debate privativo de determinados grupos, como a CTNBio na decisão sobre a liberação de transgênicos, como se as pessoas ali reunidas fossem absolutamente isentas e se orientassem exclusivamente por critérios técnicos. Tem a ver, portanto, com uma visão vesga e ultrapassada que prefere contemplar e defender ainda a neutralidade da ciência e da tecnologia.
Esta síndrome está associada a uma outra – a “lattelização das fontes”, ou seja o Jornalismo Ambiental tem priorizado (ou, o que é mais dramático, se reduzido a) fontes que dispõem de currículo acadêmico, produtores de conhecimento especializado e que, muitas vezes têm, por viés do olhar ou em muitos casos por má índole, se tornado cúmplices de corporações multinacionais que pregam o monopólio das sementes ou fazem a apologia dos insumos químicos ou mesmo usam ou dilapidam, de forma irresponsável, os recursos naturais.
O protagonismo no jornalismo ambiental, como de resto em qualquer campo do jornalismo, não se limita ao pesquisador ou ao cientista, mas inclui, obrigatoriamente, os que estão fora dos muros da Academia (muitas vezes excluídos em virtude de uma situação social injusta), como o povo da floresta, o agricultor familiar, o cidadão da rua.
O Jornalismo Ambiental, como o saber ambiental, não diz respeito apenas a questões complexas, que reclamam tecnologias de última geração, mas incorpora soluções simples, de dimensão local. Ele tem a ver com o dia-a-dia das pessoas e, na verdade, só faz sentido quando as inclui no debate, quando possibilita e promove a sua participação no processo de tomada de decisões. O Jornalismo Ambiental não pode, como tem acontecido com relativa freqüência, ser veículo dos vendedores de produtos e serviços, quase sempre antagônicos à idéia de proteção e de respeito à qualidade de vida.
A “síndrome Lattes” tem provocado, por extensão, a defesa da neutralidade, da objetividade, vinculando-se a uma lógica racionalista que repudia o debate político em seu sentido mais amplo e que propositadamente desconsidera a relação capital x trabalho. Respaldado nesta perspectiva, o Jornalismo Ambiental não admite a contradição insuperável, sobretudo se aceito o modelo em vigor, entre desenvolvimento econômico e meio ambiente. Traduz um sentimento reformista, advogado pelas grandes empresas poluidoras, que, de maneira hipócrita, fazem a apologia de medidas meramente cosméticas porque não podem (e não querem!) assumir uma proposta revolucionária. Como lembra o ditado popular, elas querem convencer-nos de que é possível fazer omelete sem quebrar os ovos e vivem prescrevendo merthiolatte para a cura do câncer.
A quarta síndrome – a “das indulgências verdes” – tem a ver com a adoção de uma postura hipócrita (cínica?) de determinadas empresas e profissionais que praticam o chamado “marketing verde” e que, repetidamente, buscam atingir dois objetivos: a) promover a “limpeza de imagem” de empresas predadoras com slogans e campanhas publicitárias destinadas à manipulação da opinião pública; b) propor soluções cosméticas para a dramática questão ambiental, como o plantio de árvores para neutralizar emissões de carbono (visto como estímulo à manutenção do atual modelo insustentável), o discurso da reciclagem ( por exemplo de latinhas de alumínio) que acoberta o aumento brutal de produção e assim por diante.
A expressão “indulgências verdes” aplicada à questão ambiental foi cunhada por Marcelo Leite, jornalista da Folha de S. Paulo, e apareceu no título de sua coluna publicada há mais de 10 anos. Nela, o jornalista compara “as consciências recém-convertidas ao credo ambiental” que compram e vendem indulgências por meio da neutralização de carbono `a ação do “frade dominicano Johann Teztel que, em 1517, foi enviado à Alemanha para vender indulgências – uma espécie de letra de câmbio papal, com a qual se resgatavam na Casa do Tesouro do Mérito os pecados cometidos. Era pagar e ir para o céu”. Marcelo Leite postulava em sua coluna, com muita propriedade, o surgimento de um novo Lutero (Martinho Lutero se insurgiu contra a prática das indulgências verdes e comandou a Reforma) para “sacudir a igrejinha verde dos nossos tempos”.
A quinta síndrome (se aprofundarmos esta nossa reflexão certamente emergirão outras mais) é conhecida como a “síndrome da baleia encalhada” e tem a ver com a espetacularização da tragédia ambiental, com a procura do inusitado e do esotérico e o recurso ao sensacionalismo. O Jornalismo Ambiental se ressente desta perspectiva acrítica de veículos e jornalistas, que contempla as questões ambientais a partir de fatos isolados, de acidentes ambientais espetaculares, como os tsunamis, os vazamentos de óleo na Baía de Guanabara, matança de indígenas, incêndios incontroláveis de reservas florestais ou aniquilamento em massa da fauna (focas, pingüins, peixes). Esta síndrome significa uma cobertura estática, paralisante, do meio ambiente, como se fosse possível (e desejável) ver a questão ambiental isolada de sua dinâmica, de suas causas e, portanto, distante dos grandes interesses que a promovem e a sustentam.
A “baleia encalhada” é certamente um flagrante trágico da degradação ambiental, mas os veículos vêem nela apenas uma forma plástica (?) de ilustrar as suas páginas e telas, sem investigar o fenômeno que a originou. O debate e a conscientização ambiental não podem limitar-se a uma foto estática, ainda que colorida e de grande impacto, porque dependem de uma cobertura mais investigativa que busque enxergar além das imagens.
Estas síndromes decorrem de uma visão estreita, absolutamente equivocada, da cobertura ambiental e precisam ser superadas, sob pena de continuarem comprometendo o jornalismo ambiental. Para tanto, é fundamental que tomemos consciência do prejuízo que podem causar ao processo de produção jornalística que tem como objetivo principal a educação ambiental e a mobilização necessária em prol da qualidade de vida no planeta e, por conseqüência, a sobrevivência de todos nós.
Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.