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Calma lá: notícias e anúncios não são membros da mesma família!

O jornalismo brasileiro tem passado por profundas modificações e desafios nos últimos anos, como o embate acirrado contra as fake news, a acelerada inserção no universo digital e o enxugamento dramático das redações. Mas há um aspecto, também relevante neste cenário, que não tem merecido a mesma atenção dos estudiosos, dos pesquisadores e dos profissionais de imprensa: a aproximação perigosa entre a áreas comercial e editorial dos veículos jornalísticos.

Esta situação preocupante tem se agravado nos últimos anos, com o surgimento de projetos e propostas que se inserem no chamado “jornalismo patrocinado”, um eufemismo utilizado para mascarar a interferência de interesses extra jornalísticos (empresariais e políticos) no processo de produção de notícias e reportagens.

Os grupos de comunicação brasileiros, pressionados pela redução das receitas oriundas de publicidade, “flexibilizaram” a sua integridade editorial, abrindo espaço para matérias pagas (viva o jabá!), comprometidas com os interesses de empresas e governos e que, na maioria dos casos, afrontam o terreno sagrado da informação independente e qualificada.

Neste sentido, veio a calhar a coluna de Flávia Lima, ombudsman da Folha de S. Paulo, publicada em 20 de setembro último, com o título “Noticiário e propaganda”. A jornalista se referia, nesta coluna, à veiculação abusiva de anúncios no portal da Folha e que tem merecido, com razão, críticas ferinas de leitores e internautas que se incomodam com este processo equivocado e perigoso que consiste em mascarar mensagens publicitárias para que elas possam ser assumidas pelos leitores como notícias do jornal.

É preciso deixar claro que esta estratégia nociva de divulgar produtos, serviços e ações governamentais de credibilidade no mínimo suspeita fere as boas práticas do jornalismo, não é nova e não acontece apenas na Folha de S. Paulo. Ela está presente nos principais veículos e programas jornalísticos do país, atentando contra a transparência e a ética jornalística.

Flávia Lima afirma de forma contundente: “Essa vitrine de produtos de eficácia duvidosa é horrorosa e está muito distante do melhor da propaganda e do marketing. Não acho que os anúncios degradem o jornal, mas as queixas, no mínimo, indicam que a experiência do leitor pode ser melhorada, de modo que ele não seja levado a tomar por notícia o que era anúncio.”

Convenhamos, apesar de incisiva, a ombudsman da Folha foi até generosa em seu comentário, evidentemente buscando não agredir demais a empresa na qual trabalha, mas deixou a porta aberta para que todos nós endossemos e reforcemos as suas críticas.

As áreas de redação e de publicidade devem dialogar e não devemos condenar essa interação sob pena de sermos ingênuos ou radicais, mas há limites neste processo. Quando a propaganda se sobrepõe ao noticiário, quando a transparência é afrontada para favorecer interesses empresariais ou políticos (os governos já se deram conta dessa vulnerabilidade e a têm utilizado para sua promoção pessoal), estamos diante de uma situação intolerável.

É preciso separar muito bem o joio do trigo e respeitar os leitores e internautas (isso vale também para emissoras de rádio e televisão e para portais que fazem a mesmíssima coisa!) porque, caso contrário, a produção de notícias de credibilidade se transforma numa autêntica “casa da mãe Joana”. Se os meios de comunicação tradicionais agem desta forma não têm o direito de condenar as fake news. O jornalismo patrocinado, no fundo, se constitui em processo sutil de produção de notícias não precisas, falsas, que têm como objetivo burlar a inteligência e a vigilância dos cidadãos. Muita calma nessa hora. Notícia e propaganda não são da mesma família. Vamos colocá-las em caixinhas diferentes e identificá-las corretamente para evitar confusão? Tudo bem assim?

Estaremos atentos para verificar até quando esta impostura editorial vai continuar.

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.