Combater a desinformação não é apenas uma prática necessária, mas um compromisso absolutamente inadiável
A divulgação científica, e o Jornalismo Científico em particular, estão às voltas, neste momento, com desafios gigantescos, representados pelos movimentos que estimulam a desinformação e fortalecem o negacionismo, afrontando as evidências científicas e a realidade dos fatos.
Sabemos que este movimento tem como objetivo favorecer pessoas, grupos e empresas que desejam preservar os seus interesses, manifestar suas convicções, ainda que não respaldadas em argumentos e pesquisas legítimas, e, desta forma, influenciar negativamente a opinião pública.
É fundamental que todos estejamos mobilizados para impedir que interesses escusos prevaleçam porque, na prática, eles acabam obstruindo a implementação de políticas públicas sintonizadas com os direitos dos cidadãos ou permitindo o planejamento e a execução de outras políticas que fazem retroceder ou paralisar o processo de consolidação da cidadania.
Podemos contemplar, hoje, de forma contundente, o esforço empreendido por determinados grupos da sociedade, na esfera política e empresarial, que visam impedir a regulação das big techs, frear as aplicações não éticas da inteligência artificial, afrontar a demarcação das terras indígenas, a defesa da democracia, o combate ao desmatamento e ao enfrentamento do impacto provocado pelas mudanças climáticas na saúde, na produção de alimentos e na vida das pessoas.
Urge combater o movimento antivacina, estimular os investimentos em ciência, tecnologia e inovação e, inclusive, promover a valorização da comunicação pública comprometida com os interesses do país e não refém de grupos, partidos políticos e companhias que, com seu lobby agressivo e nada republicano, ameaçam a soberania nacional.
Neste sentido, vale a pena ter sempre presente um episódio recente que colocou em risco o esforço de pesquisadores sérios em fazer prevalecer a ciência diante de fake news divulgadas de forma irresponsável, infelizmente com o apoio de parte da justiça brasileira.
Referimo-nos à condenação de duas cientistas brasileiras que, com lucidez e coragem, empenharam-se para desmentir uma nutricionista que, não fundamentada em qualquer estudo sério, insistia em afirmar que o diabetes seria provocado por vermes e que, para curá-lo, bastaria recorrer um processo de desparasitação.
É inacreditável que uma juíza tenha dado guarida ao pedido desta nutricionista e condenado as cientistas a uma multa por danos morais além da remoção do vídeo no qual elas negavam a validade desta afirmação, totalmente sem sentido.
Ainda bem que o STF colocou as coisas no lugar e, de forma inequívoca, contrariou a decisão da juíza que, sem pesar as consequências do seu ato, apoiou-se no conceito equivocado de liberdade de expressão para permitir que conclusões malucas circulem livremente, com o risco indiscutível de provocar prejuízos à saúde das pessoas.
Parabenizamos aqui a profa. Gabriela Weber, do Departamento de Ciências Básicas e Ambientais da Faculdade de Engenharia de Lorena que, em artigo publicado pelo Jornal da USP no último dia 14 de outubro, intitulado “Divulgação científica na mira da justiça: quando os interesses de poucos superam as necessidades da maioria”, tratou com lucidez deste caso. (Acesse o artigo, se tiver interesse, pelo link incluído nos comentários!). Nosso reconhecimento também às duas pesquisadoras – Ana Bonassa e Laura Marise, que, com coragem, se postaram ao lado das evidências científicas e contra a desinformação.
Estamos totalmente de acordo com a professora Gabriela e repetimos as suas palavras:” Não basta mais apenas recodificar o conhecimento científico em uma linguagem acessível para informar a população leiga sobre o que é produzido pelas instituições de pesquisa científica ao redor do mundo, tornou-se premente trazer a discussão científica para o domínio público, de forma que a sociedade como um todo possa se interessar, compreender e dialogar sobre ciência. Em um mundo interconectado e permeado por uma perversa rede de desinformação, é fundamental que a sociedade cada vez mais se aproprie do conhecimento científico para nortear o seu processo decisório e com isso coibir a ação de “influenciadores” dedicados a vender emplastros Brás Cubas ou outras soluções miraculosamente estapafúrdias.”
Devemos estar, juntos, nesta cruzada contra as fake news, sejam elas fruto da má informação (ou ignorância mesmo!) ou da má intenção de quem deseja, por motivos variados, solapar a contribuição valiosa da ciência. Não se justificam ações que se dizem comprometidas com a liberdade de expressão, quando elas têm o potencial de prejudicar as pessoas, nublar o conhecimento da realidade, em nome de interesses inconfessáveis.
Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.