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Imprensa X plataformas digitais: aproximações e rupturas

O embate entre a imprensa e as plataformas digitais continua acirrado, embora, nos últimos dias, alguns representantes dos monopólios digitais tenham feito acenos, considerados importantes, mas ainda tímidos, de aproximação com a mídia.

O problema não está localizado apenas no Brasil, mas ganha dimensão global porque os veículos jornalísticos de todo o mundo percebem, nitidamente, que a agressividade das plataformas, em sua perspectiva monopolística, fere os seus interesses e reduz os seus lucros.

Os meios de comunicação das Américas lançaram, recentemente, um manifesto em defesa dos “valores do jornalismo profissional no ecossistema digital”, no qual julgam que “é necessário haver estratégias coerentes em âmbito mundial para fazer cumprir um direito que se baseia tanto na propriedade intelectual quanto nas leis antitruste” e que é também “fundamental evitar práticas abusivas no mercado da publicidade digital”. Ao mesmo tempo, preocupam-se com o uso dos algoritmos por estas plataformas que acabam, segundo os signatários do manifesto, definindo “a distribuição dos conteúdos para a sociedade”.

O documento, assinado por18 entidades de imprensa, dentre as quais a nossa Associação Nacional dos Jornais (ANJ), denuncia a ação dos intermediários (refere-se às plataformas digitais) que têm absorvido mais de 80% das receitas oriundas da publicidade digital, ameaçando a sustentabilidade do jornalismo.

O manifesto cita declaração recente da Unesco que defende a sustentabilidade econômica da mídia como “um pré-requisito fundamental para a sua independência” e que conclama os governos a “garantir (...) fluxos de financiamento de fontes públicas para a mídia”.

O documento reconhece a importância das iniciativas implementadas por algumas plataformas recentemente, mencionando especificamente o Google e o Facebook que têm decidido pagar à mídia por licenças de conteúdo, mas deixa claro que isso é pouco.

O Facebook acaba de anunciar, no Brasil, a sua decisão de estabelecer parceria com veículos de imprensa, com o investimento de quase 14 milhões para projetos voltados para o jornalismo profissional, que incluem O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo, a UOL, e os Grupos Abril, Bandeirantes e RBS, dentre outros. Segundo a diretora de parcerias de notícias do Facebook para a América Latina, Cláudia Gurfinkel, esta plataforma está comprometida em “apoiar o ecossistema de notícias no Brasil e feliz em anunciar nosso investimento e colaboração contínua com veículos e associações no País.” A proposta, conforme indicado no Estadão (17/09/2021, p. B6), é “apoiar as organizações de notícias na transformação digital, criando modelos de negócios sustentáveis, buscando novas audiências e fortalecendo a cobertura jornalística pelo Brasil”.

Na verdade, ambos os lados, plataformas e mídia, sabem que é preciso resolver rapidamente estas pendências porque o crescimento vertiginoso das gigantes digitais ameaça efetivamente a sustentabilidade do jornalismo como negócio, e a reação da mídia tem pouco a pouco merecido a atenção dos governos e da Justiça. A Austrália, por exemplo, emitiu, em fevereiro de 2021, um Código de Negociação Obrigatória para Mídia de Notícias e Plataformas Digitais, prevendo “arbitragem que possa garantir o pagamento, pelas plataformas, pelo uso que fazem do conteúdo da imprensa”.

A questão não se encerra com acenos, remuneração insuficiente e apoio a projetos isolados porque a veiculação de conteúdo noticioso envolve bilhões de dólares em todo o mundo e a mídia, responsável pela sua produção, não quer apenas migalhas, mas participar efetivamente do negócio.

Trata-se, como diz o ditado, de briga de cachorro grande e as mordidas tendem a ser cada vez mais frequentes e ameaçadoras.

Como jornalistas e cidadãos, que valorizam a produção de notícias e o jornalismo independente, torcemos para que os adversários deste momento se tornem parceiros, mas reconhecemos que, ambos os lados, têm virtudes e defeitos.

Somos contra o jornalismo “chapa branca”, sensacionalista, refém de interesses políticos e empresariais, e contemplamos, com muita preocupação, o avanço das gigantes monopolísticas, com seus algoritmos inadequados, que promovem a desinformação e ameaçam a nossa privacidade.

É recomendável, portanto, ficarmos de olho nesta disputa porque, em geral, quando gigantes brigam sobra sempre para o nosso lombo. E isso dói demais.

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.