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Jornalismo e saúde em tempos de pandemia: Achismo, fake news e evidência científica

A cobertura jornalística de saúde está em alta nos dias de hoje, motivada pelo impacto dramático do covid-19 na vida dos cidadãos de todo o mundo, com reflexos importantes no universo do trabalho e da economia de maneira geral. Uma análise, ainda que superficial, do esforço realizado por veículos e profissionais de imprensa na cobertura desta temática atual e relevante evidencia virtudes e equívocos formidáveis e nos convida a uma reflexão.

Na verdade, a comunicação, e particularmente, o jornalismo em saúde, têm se caracterizado, ao longo do tempo, com raras exceções, por distorções significativas, que incorporam desde informações imprecisas (e até desinformação) pela não capacitação de jornalistas até desvios éticos inconfessáveis, derivados da cumplicidade dos veículos e profissionais com os lobbies da indústria da saúde.

Com alguma frequência, temos insistido na tese de que, na prática, é razoável assumir que o jornalismo brasileiro tem feito uma cobertura mais da doença do que da saúde, com destaque à indicação nefasta de medicamentos, muitas vezes contemplados como soluções únicas e até infalíveis para curar os males do corpo e da alma. Em contrapartida, pouca atenção é dedicada à prevenção e à promoção da saúde, tópicos que não frequentam as pautas dos jornalistas, certamente porque não favorecem o processo tradicional de espetacularização da notícia pela mídia

Não se pode ignorar também a cobertura ampla e pouco crítica de pseudociências e terapias, apresentadas como soluções mágicas, embora não legitimadas por evidências científicas,  e que inundam programas de rádio e de televisão, portais de notícias, mídias sociais com o respaldo de falsos profissionais de saúde,  comprometidos com o lucro fácil e não com o interesse público e a qualidade de vida.

É imperioso constatar na cobertura do novo coronavírus a presença de personagens que, com suas promessas de cura, afrontam a ética e a inteligência e que se identificam, de forma escancarada, com o charlatanismo, tutelado por instituições religiosas suspeitas ou por pretensos especialistas de plantão.

A circulação das chamadas fake news associadas ao covid-19 se multiplica especialmente nas mídias sociais, contribuindo, de forma nefasta, para a desinformação dos cidadãos e para a consolidação de posturas que desestimulam as boas práticas, como o incentivo à vacinação.

Inspirada no achismo, no impressionismo irresponsável de autoridades e governantes, parcela significativa da mídia brasileira defende a utilização extensiva de medicamentos de eficácia não comprovada (como a cloroquina) ou aceita teorias como a “imunidade de rebanho”, sem levar em conta as consequências terríveis da adesão a estas propostas.

Felizmente, podemos perceber também alguns resultados positivos deste esforço, quando competente e ético, de cobertura na saúde, decorrente da ação agressiva e letal do novo coronavírus. Destacamos, sobretudo, a parceria saudável e cidadã, firmada entre veículos/jornalistas e fontes reconhecidamente confiáveis, de que tem resultado notícias e reportagens que primam pela qualidade da informação. Ressaltamos, ainda, como resultado positivo desta cobertura, que permanecerá certamente intensa por algum tempo, o reconhecimento definitivo da contribuição fundamental da ciência, da pesquisa e inovação, a valorização do sistema único de saúde (SUS) e a preservação da vida como prioridade a ser sempre considerada.

É possível imaginar que a cobertura jornalística de temas relevantes de saúde continuará mantendo este incremento (juntamente com a cobertura de questões relacionadas com o meio ambiente, ela domina a pauta da imprensa) e que tenderá no futuro a ser mais ampla e mais qualificada.

Um alerta importante: corporações globais que integram a indústria da saúde, com seu lobby agressivo, continuarão assediando as redações, os governos e o congresso visando à manutenção dos seus privilégios e seus lucros, muitas vezes em oposição ao interesse público.  Os jornalistas e os cidadãos precisam “enxergar além da notícia”, com o objetivo de identificar, nas notícias e reportagens, a intenção de empresas e profissionais que vislumbram a saúde e a vida apenas como mercadorias. Esses agentes, que miram a doença e não a saúde, estão, infelizmente, comprometidos unicamente com a venda de remédios, equipamentos e serviços que engordam os seus lucros.

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.