Jornalistas e influenciadores digitais: atividades relevantes, mas com princípios e compromissos distintos. Entendido?

O debate que ora se trava sobre a relação jornalistas x influenciadores, ou mesmo sobre o perfil dos jornalistas que se assumem como influenciadores digitais, abre espaço para uma série de questões que merecem a nossa reflexão.
De imediato, é preciso distinguir, em boa parte dos casos, as prioridades que podem estar associadas à maioria dos jornalistas profissionais e à dos influenciadores digitais e que, necessariamente, não são as mesmas.
Os jornalistas desempenham, quase sempre, uma atividade remunerada que se vincula a empresas, jornalísticas ou não, e, portanto, estão submetidos aos objetivos e compromissos das organizações para os quais trabalham. Evidentemente, há jornalistas independentes que trabalham para suas próprias empresas e até aqueles que trabalham de forma individual, como freelancers remunerados, ou para consolidarem a sua identidade. Sua atuação principal é produzir e divulgar notícias e reportagens sobre temas de atualidade e, se efetivamente comprometidos com a ética profissional, não sobrepõem a atividade jornalística à atividade publicitária.
Os influenciadores digitais, em sua maioria, não estão comprometidos única, ou prioritariamente, com a produção de peças jornalísticas, mas com conteúdos em geral, inclusive aqueles que têm como objetivo divulgar produtos e serviços de empresas comerciais ou mesmo criar uma imagem positiva para pessoas, grupos, partidos políticos, governos ou organizações em geral.
Os jornalistas que se assumem como influenciadores digitais costumam incorporar os dois perfis e, evidentemente, só podem fazer isso, quando trabalham para empresas jornalísticas, se autorizados por elas, visto que sempre existirão conflitos nesta dupla atividade. Tanto é assim que muitos deles têm sido demitidos pelas empresas porque elas não admitem que prestem serviços a mais de um patrão, especialmente se há conflitos éticos em jogo. Como já ocorreu com mais de um jornalista na Globo (e ela tem sido intolerante a este respeito), a implicância deriva de uma questão: um jornalista pode, ao mesmo tempo, estar a serviço de uma empresa comercial, de um partido político ou mesmo de um governo? A gente conhece esta história: as regras das empresas (o tal “compliance”) não permitem que os jornalistas joguem de mais de um lado.
Os jornalistas, muitas vezes, em sua trajetória profissional, chegam a trabalhar para várias organizações concorrentes, evidentemente não ao mesmo tempo. Os influenciadores digitais podem trabalhar para várias empresas ao mesmo tempo (muitos têm vários clientes), divulgando as suas marcas, mas, necessariamente, não podem ou não fica bem trabalhar, simultaneamente, para duas marcas concorrentes porque isso também afronta a ética profissional. Poderiam eles ser garotos-propaganda da Fiat e da Honda ou da Brahma e da Heineken, ao mesmo tempo? Não dá, não é mesmo?
O que mais incomoda nesta onda crescente de jornalistas que atuam como influenciadores digitais é o fato de eles incorporarem uma perspectiva essencialmente individualista, o que enfraquece, muitas vezes, a própria atividade jornalística, o espírito coletivo.
Certamente, esta condição pode não valer para todos os casos, mas, em geral, essa caminhada individual enfraquece as entidades da área, os sindicatos em particular, e consolida uma realidade: a pejotização do trabalho jornalístico, o que atende aos interesses das empresas que se veem livres dos direitos trabalhistas, como férias, décimo terceiro e, sobretudo, das regras que regem a rescisão do vínculo de trabalho.
A plataformização das atividades jornalísticas favorece a precarização do trabalho e, como temos percebido, ainda coloca os profissionais de imprensa em choque com a implementação abusiva e não ética de ferramentas de IA na produção jornalística.
Enfim, é preciso debater este tema, sem radicalização porque, na prática, os influenciadores digitais, jornalistas ou não, constituem uma realidade incontestável e que se consolida de forma contundente no mercado. Não se trata de considerar a atividade jornalística como superior à atividade que caracteriza os influenciadores digitais, assim como não é razoável superestimar o jornalismo e rebaixar a importância da propaganda e do marketing. Só não é possível, a nosso ver, misturar essas duas esferas de atuação porque aí, como diz o ditado, “dá caca”. Os princípios éticos da atividade profissional do jornalista têm sido afrontados, dramaticamente, com a prática nefasta do “jornalismo patrocinado”, uma aberração sob a égide inclusive de grandes monopólios da comunicação que não se sentem envergonhados de patrocinar um jornalismo sob encomenda.
O fato é que a atividade jornalística não deve violentar o “ethos” da profissão, que exige compromisso com a veracidade, o que nos obriga a considerar como territórios distintos o jornalismo e a propaganda/marketing. Embora essas atividades sejam igualmente relevantes, têm suas diretrizes e princípios éticos que não se sobrepõem. Se o profissional de imprensa deseja exercer prioritariamente a atividade publicitária que, por favor, deixe na gaveta a sua carteira de jornalista. E que seja feliz com a sua decisão.
Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.