Médicos e empresas irresponsáveis ameaçam nossa saúde. Será que o CFM vai mesmo dar um jeito neles?

A saúde dos cidadãos brasileiros tem sido ameaçada, nos últimos anos, não apenas pelos motivos habituais (doenças seculares, como as respiratórias, cardiovasculares, o câncer, em suas diversas modalidades, e assim por diante), mas por epidemias globais e o impacto significativo das mudanças climáticas.
Boa parte da população minimiza, no entanto, outros riscos, também sérios, que estão presentes no nosso cotidiano e que afrontam a nossa saúde, como a poluição do ar, do solo, da água, o uso abusivo de dispositivos eletrônicos, sobretudo pelas crianças, as doenças mentais, derivadas da sobrecarga de trabalho e pressão das chefias, para não falar dos casos recorrentes de assédio sexual. Parte expressiva da sociedade ignora um inimigo também assustador: o impacto negativo da indústria da saúde e da alimentação nas nossas vidas.
De há muito, especialistas de renome, e jornalistas comprometidos com a saúde dos cidadãos, têm denunciado abusos das farmacêuticas, de fabricantes de insumos e de equipamentos, inúmeros desvios éticos das farmácias, que praticam a empurroterapia, a ganância irresponsável das empresas que produzem e fazem propaganda enganosa sobre os ultraprocessados e por aí vai.
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina resolveu editar novas regras visando dar maior transparência à relação, muitas vezes ilegítima, entre os médicos e as indústrias que atuam na área da saúde. A proposta é impor determinadas restrições com o objetivo de reduzir (eliminar é impossível!) os conflitos de interesse e exigir obediência aos princípios éticos e legais que devem orientar a conduta dos profissionais de saúde.
O CFM passou a cobrar dos médicos que tenham vínculo, seja ele qual for, com farmácias, laboratórios e com a indústria de equipamentos, a explicitação desta relação através de uma plataforma (CRM-Virtual do Conselho Regional de Medicinal) onde os profissionais estão registrados. A resolução prevê um número significativo de formas de trabalho com a indústria da saúde, como consultorias, participação em pesquisas e até mesmo como palestrantes remunerados, o que é muito comum e contribui para ludibriar tanto os pacientes como a própria classe médica.
É preciso saudar esta medida, mas ficar com um olho atrás até porque, na verdade, nem tudo que está no papel é efetivamente cobrado pelo
CFM, a mesma entidade que avalizou o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19, com prejuízo incalculável para os brasileiros. Ela tem sido criticada também porque que demora um montão de tempo (quando não “deixa barato”) para tomar providências contra profissionais que atentam, escandalosamente, contra a saúde e até a vida dos seus pacientes. O corporativismo médico é conhecido e, se formos levantar os casos em que o CFM deu tapinhas nas costas de médicos irresponsáveis, não teríamos tempo para fazer outra coisa. Os leitores interessados podem facilmente resgatar essas situações que ferem a ética médica em uma consulta, ainda que rápida, junto aos sistemas de busca.
Mais do que editar resoluções, é indispensável agir contra os médicos que, apoiados no marketing da saúde e subsidiados pela Big Pharma, sugerem (ou até exigem) a “aquisição de medicamentos e outros materiais com custo de bilhões de reais que interferem no funcionamento dos Sistemas de Saúde Público e Privado”, como afirmou o relator da Resolução, Raphael Câmara Parente, em reportagem publicada no portal da CFM.
Vamos acompanhar com atenção o cumprimento desta resolução porque, quando o dinheiro é graúdo e corre solto, como é praxe nessa área, vale a pena ficar com os olhos e os ouvidos bem abertos.
É lógico, para os médicos responsáveis, que cumprem o Código de Ética, que felizmente constituem a maioria, a resolução funciona apenas como um dispositivo de controle e para evitar que os faltosos maculem a imagem de toda a categoria. A resolução também não tem tanta importância para empresas éticas que atuam no setor. Para os não éticos (médicos e empresas), que ganham dinheiro (muito dinheiro) à custa da nossa saúde, lembramos que a sociedade continuará atenta e que todos nós estaremos dispostos a denunciar as irregularidades. Saúde não é mercadoria e, por isso, é fundamental que estejamos mobilizados para impedir que esse conceito equivocado (e criminoso) continue prevalecendo no mercado.
Leia o livro “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. Como somos enganados e o que podemos fazer a respeito”, de Marcia Angell, lançado há um bom tempo pela Editora Record. Ele continua atualíssimo, assim como o lobby poderoso da indústria da saúde.
Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.