No Jornalismo Científico, muitas vezes um pretenso “furo” pode ser uma enorme “barriga”!

O jargão jornalístico contempla alguns termos ou expressões que denominam algumas virtudes ou falhas do processo de produção na área, mas que muitas vezes não são sobejamente conhecidos, até mesmo pelos que praticam esta atividade.
Podemos destacar, dentre eles, o “furo” e a “barriga ou barrigada”.
O primeiro termo define aquela notícia ou reportagem que traz uma informação absolutamente nova, ainda não conhecida, como os resultados de uma pesquisa inovadora ou mesmo detalhes esclarecedores presentes em uma matéria investigativa, com denúncias comprovadas de corrupção, de abuso de autoridade, de afronta aos direitos humanos e ao estado de direito, ou de preconceitos de toda ordem, dentre outros.
O segundo termo é normalmente utilizado para caracterizar uma notícia ou reportagem que se baseia em informações falsas ou imprecisas, o que significa que ela não está comprometida com a qualidade da cobertura jornalística.
No Jornalismo Científico, os exemplos que se aplicam a estes dois termos têm sido cada vez mais frequentes e muitos deles estão associados a anúncios de novas descobertas, como de medicamentos revolucionários, incríveis processos de cura, notáveis avanços tecnológicos e assim por diante.
O problema é que a(o)s jornalistas ansiosa(o)s publicam notícias e reportagens com informações novas e surpreendentes, interessada(o)s em provocar grande repercussão juntos aos seus leitores, telespectadores, radiouvintes ou internautas. Com isso, acabam baixando a guarda, acreditando piamente no que ouvem e leem nos portais existentes na web ou nas mídias sociais e mesmo em revistas científicas de prestígio.
O número de retratações publicadas em revistas da área acadêmico-científica é cada vez maior e, para temas complexos, de grande impacto, as chances de notícias falsas (“barrigadas”) são muito maiores. No auge da epidemia da Covid-19, os “preprints” alcançaram uma divulgação colossal e muitos deles se mostraram, em pouco tempo, nada confiáveis. Além disso, há também a ação nefasta de produtores de fake news, que se utilizam de informações falsas para alimentar a corrente de ódio ou para favorecer empresas e grupos. Nem a ciência escapa desta investida e comunicadores e até governantes “ilustres” têm estado a serviço deste tipo de noticiário.
O ex-presidente Bolsonaro proclamou aos quatro ventos a cura da Covid-19 pela cloroquina, sugeriu que a vacina provocava autismo nas crianças, e pronunciou outros absurdos. Donald Trump continua negando o impacto das mudanças climáticas, certamente para favorecer as companhias petrolíferas americanas e, desde o início do seu governo, estabeleceu parceria com as Big Techs e seus donos bilionários para aumentar a onda de desinformação e de negacionismo.
O aviso da Meta de que abriria mão do processo de checagem dos fatos faz parte deste jogo que afronta a ciência, a verdade, e que propicia, com suspeitos “furos” de notícia a expansão das “barrigas” no Jornalismo.
É preciso, para quem se dedica à nobre missão de divulgar ciência, como os jornalistas ou profissionais de várias áreas (físicos, biólogos, cientistas sociais, médicos etc), muita atenção no momento de escolher um fato ou informação a ser divulgada. Em boa parte dos casos (não será a maioria?), é possível encontrar sobretudo na web mais “barrigas” do que “furos”, mas divulgar imprecisões ou inverdades faz com que seus autores percam a credibilidade junto à comunidade jornalística e científica e, também, junto à sociedade.
É possível evitar as “barrigas” no Jornalismo Cientifico? Talvez seja arriscado dizer que há formas infalíveis de evitá-las, mas há algumas dicas preciosas que a experiência na área nos ensina e que devem ser seguidas.
Em primeiro lugar, como diz o ditado, a pressa é inimiga da perfeição e, se o (a) jornalista acreditar nisso, deve fugir da tentação de publicar rapidamente algo “fantástico” que leu ou ouviu de uma fonte, ainda que de prestígio. Os cientistas também erram e a história da ciência traz exemplos formidáveis de “mancadas” dos especialistas. A melhor postura é dar um tempo, checar com outras fontes, e desconfiar sempre, ao constatar que aquela informação bombástica não foi publicada ainda em lugar algum, seja nos canais que circulam na comunidade cientifica, seja na imprensa.
Dar em primeira mão uma notícia pode trazer vantagens para o (a) jornalista, mas isso só acontece, se ela for verdadeira e não contiver imprecisões.
Em segundo lugar, é importante selecionar, ao longo do tempo, fontes realmente fidedignas, aquelas que, como todo(a) jornalista competente, não divulgam para a opinião pública informações que não foram, previamente, compartilhadas com os seus pares e que, portanto, mereceram a avaliação de quem, como elas, entende do assunto tratado. Recomenda-se consultar representantes de entidades (associações, por exemplo) que são referência no assunto a ser divulgado porque, quase sempre, são elas que anunciam as novas descobertas e contribuem, com seu crivo, para distinguir entre o que pode estar certo ou não.
Finalmente, deve-se evitar, na produção de uma notícia ou reportagem, a utilização de recursos espetaculosos, como títulos chamativos, que propiciam interpretações não razoáveis dos leitores ou telespectadores, por exemplo, ou mesmo fazer elocubrações fantasiosas para provocar o interesse de quem toma contato com a notícia. Muitos jornalistas incorporam ilustrações (infográficos) que sugerem o que não está nos resultados de pesquisa e, com isso, penalizam a qualidade da cobertura.
A distância entre um “furo” e uma “barriga” costuma não ser grande e, por isso, é preciso dosar a ansiedade de divulgar e calibrar nas informações que vão fazer parte da narrativa jornalística. O(a) jornalista deve sempre se perguntar antes da publicação: não estou sendo absolutamente fiel ao que li ou ouvi? Não chequei direito as informações com outras fontes confiáveis? Não estou “aumentando” ou distorcendo os fatos para obter maior audiência? Se a resposta for positiva para uma dessas perguntas, o (a) jornalista deve rever o que produziu e tentar estabelecer limites para a sua ansiedade de publicar.
O Jornalismo Científico, a ciência e a sociedade agradecem aqueles que estão efetivamente comprometidos com a qualidade da cobertura. Enfim, mais “furos” jornalísticos reconhecidamente verdadeiros é bom, mas menos “barrigas” é também ideal! Está entendido ou é preciso desenhar?
Observação: a ilustração se refere a uma “barriga formidável” do Jornalismo Científico brasileira. A descrição da barriga do “boi mate” está presente na tese pioneira de Jornalismo Científico indicada nesta newsletter e se refere a uma bobagem daquelas publicada há um bom tempo pela revista Veja.
Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.