O agronegócio se comunica mesmo muito mal. Há falta de sintonia entre o discurso e a prática.
Pesquisa realizada pela Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) evidencia uma realidade: as empresas do agronegócio investem pouco e mal em comunicação, embora algumas delas, gigantes, gastem muito dinheiro em marketing, tentando vender a todo custo os seus produtos e serviços, muitos dos quais, como os agrotóxicos, nada saudáveis.
Quem analisa superficialmente os dados da pesquisa pode concluir que, se os investimentos fossem maiores, certamente a imagem do setor seria diferente, mas isso não é verdade. Você não cansou de ver na TV, em horário nobre, a campanha “o agro é pop, o agro é tech, o agro é tudo”? Pois é, este investimento caríssimo em propaganda, ao que parece, em termos de imagem, não tem trazido resultado esperado porque o discurso nunca esteve, no caso do agronegócio, alinhado com a prática.
As grandes empresas e as entidades do setor (Andef, por exemplo) continuam insistindo na tese de que os agrotóxicos não fazem mal para a saúde (apesar de milhares de mortos e doentes em todo o país), de que o agro não desmata (a Amazônia que o dia!) e que as condições de trabalho dos nossos agricultores são de Primeiro Mundo (se cinismo matasse...).
É verdade – existe um número muito grande de empresas que integram o agronegócio brasileiro – e não se pode generalizar para o universo inteiro, mas basta colocar nos sistemas de busca “problemas com...” mais o nome de algumas dos grandes players desta área para resgatar escândalos e mais escândalos que vão de prejuízo à saúde, corrupção, afronta à biodiversidade, perseguição a jornalistas e pesquisadores. A Monsanto mereceu até um livro e um documentário precioso intitulado “O Mundo segundo a Monsanto” (que é de estarrecer!) e continua, apesar da venda para a Bayer, presente no noticiário no mundo todo pelo saco de maldades que protagonizou ao longo do tempo, aqui e lá fora.
Não se pode ignorar (nem jogar para debaixo do tapete) o escândalo de corrupção da JBS, nem o agente laranja que vitimou cidadãos inocentes no Vietnã. Além disso, quando contemplamos a ascensão do nazismo na Alemanha, encontramos como grandes financiadores de Hitler muitas empresas do setor que vivem se proclamando sustentáveis e responsáveis socialmente. (Leia o livro recém lançado por aqui, intitulado A ordem do dia, do cineasta e escritor francês Eric Vuillard que traz detalhes deste nefasto apoio histórico ao tirano alemão). Quem conhece, não confia, não é isso que o provérbio nos ensina?
O Brasil tem uma vocação importante para a agropecuária e negar a importância do setor é cometer um grande equívoco, mas daí dizer que a imagem do setor só tem a ver com a comunicação incompetente, é, de novo, atentar contra a nossa inteligência.
O lobby das empresas do agronegócio é gigante e predador e seria ingênuo culpar este ou aquele governo por omissão e favorecimentos às grandes representantes do setor. Todos os governos, indistintamente, têm fechado os olhos para os abusos cometidos em nome do desenvolvimento...delas próprias!
A imagem continuará negativa, nacional e internacionalmente, enquanto a postura não se modificar, mas, ao que parece, valer-se do abuso do poder econômico para sufocar adversários faz parte do DNA de muitas companhias globais do agronegócio.
O episódio das queimadas da Amazônia despertou o mundo todo para a triste realidade que atravessamos e a busca desesperada por limpar a imagem do setor, com a justificativa de que nada tem a ver com isso, não funcionou e será sempre questionada.
Somos a favor do agronegócio responsável, sustentável, cidadão, que tem compromisso com o meio ambiente, com os direitos humanos, com a legislação trabalhista, com a governança corporativa e com sistemas legítimos de compliance, e acreditamos de verdade que é possível conciliar os objetivos do setor com as boas práticas.
A comunicação não pode pagar pelas posturas de empresários inescrupulosos e daqueles que os privilegiam. As empresas responsáveis do agronegócio merecem aplausos e será sempre necessário, para não ser leviano, separar os bons exemplos dos casos recorrentes de afronta aos valores modernos (ética, transparência, respeito aos direitos humanos, à biodiversidade, aos povos da floresta etc).
O setor precisa mesmo reorganizar a sua comunicação. Não adianta investir mais dinheiro e continuar repetindo mentiras que já são de domínio público. Esse negócio de “agradeça aos agrotóxicos por estar vivo” soa muito mal, e só os que fazem parte desta tribo acredita nele. Falar a verdade faz bem e a gente gosta. O resto é choramingo de quem acredita que, com dinheiro, se compra e vende qualquer coisa. O agronegócio planta mentiras e colhe uma péssima imagem.
Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.