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O “doisladismos” é uma prática democrática?

Quem frequenta, ou já frequentou, os bancos da universidade, particularmente os cursos superiores de Jornalismo, já ouviu, provavelmente, algum professor mencionar, com destaque, a necessidade de se “ouvir os dois lados”, sobretudo quando o jornalista se encontra diante de um tema controverso. A priori, nenhuma contestação a respeito porque, em todas as áreas do conhecimento, há mesmo teorias ou posições que não são únicas ou exclusivas e a ciência (que deveria ser valorizada em tempos de pandemia!) evidencia a necessidade de uma revisão permanente das teorias em vigor.

Esta condição, no entanto, tem sido recorrentemente aventada em situações nas quais ela não se justifica. Não é incomum encontrarmos por aí (no rádio, na TV, na mídia impressa, nas mídias sociais) pessoas mal informadas, ou interessadas em promover fake news, que defendem a sua participação em debates pela imprensa com o argumento de que também têm opiniões sobre um determinado tema ou assunto.

Muita calma nessa hora, porque não é assim que funciona ou pelo menos não é desse jeito que a coisa deveria funcionar.

O debate democrático é muito importante, indispensável mesmo, mas isso não significa que, a pretexto de seu “ouvir todos os lados”, se convoque para a discussão fontes que não têm qualificação e que expressam posições pessoais ou de grupos que não encontram respaldo em evidências derivadas da lógica, do conhecimento ou da ciência.

Essa proposta comprometida com o “doisladismos” apenas tem servido para tumultuar o debate e confundir a opinião pública, com efeitos nefastos em determinados casos, como os que temos visto nas campanhas que pregam o boicote à vacinação, a defesa do terraplanismo, o negacionismo em relação à atual pandemia, dentre muitas outras. Há teorias que merecem ser contestadas, mas não se pode dar espaço para quem está apenas contribuindo para o incremento da desinformação, especialmente no jornalismo profissional.

É preciso admitir que muitos cidadãos (não seria a maioria?) não estão suficientemente informados sobre determinados temas e, por vários motivos, são vulneráveis a discursos ou falsas notícias que os levam a interpretar os fatos erroneamente e, com isso, a tomar decisões que afetam a sua vida, o meio ambiente, os direitos humanos ou mesmo estimulam preconceitos de toda ordem (de gênero, de raça, religioso etc).

A qualificação da informação deve ser sempre a prioridade nos debates democráticos que permitem aos cidadãos compreender o mundo em que vivem, e, para isso, não é razoável, apenas para estimular a espetacularização midiática, trazer para o palco de discussão fontes desprovidas de credibilidade.

O debate democrático no jornalismo não deve ser confundido com o exercício caótico da proposta que defende, sem critério, o “doisladismos”, porque necessita estar fundado em fatos verdadeiros, em teorias confirmadas ou plausíveis, em fontes comprometidas com a compreensão do mundo e da realidade.

Uma advertência: a defesa da competência para o debate não significa excluir fontes que não são técnicas, de tornar o debate restrito apenas aos doutores, aqueles que têm excelente currículo Lattes, porque a experiência e o conhecimento tradicional merecem respeito.

Não vamos confundir alhos com bugalhos. Os “dois ou mais lados” devem ser ouvidos quando têm algo relevante para dizer, mas esta condição não se aplica àqueles casos em que se busca recorrer a fontes desqualificadas apenas para tornar a discussão mais acalorada ou chamar a atenção da audiência de forma “espetaculosa”. O “doisladismos” não é condição necessária, nem suficiente para promover a democracia. É mais uma fake news no universo da comunicação e do jornalismo.

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.