Loading color scheme

Os jornalistas e o conflito de interesses: o buraco é mais em cima. Ou não?

Os episódios recentes que culminaram na demissão de Mauro Naves (Globo News) e a saída “voluntária” de Dony De Nuccio, quando sentiu que poderia (ou iria) ter o mesmo fim, colocaram novamente a ética jornalística em questão.

Um profissional de imprensa pode ou não pode ter relações comerciais que interferem no seu trabalho, ameaçando ou fazendo emergir suspeitas a respeito da sua integridade ou imparcialidade?

O jornalista deve obedecer ao Código de ética de sua profissão que, no capítulo 2, Artigo 7º, VI, diz textualmente que ele não pode “ realizar cobertura jornalística para o meio de comunicação em que trabalha sobre organizações públicas, privadas ou não-governamentais, da qual seja assessor, empregado, prestador de serviço ou proprietário, nem utilizar o referido veículo para defender os interesses dessas instituições ou de autoridades a elas relacionadas”. Dony terá desobedecido o código profissional?

Como foi revelado nas investigações a respeito da sua conduta, os negócios da empresa de Dony – Prime Talk – com clientes como o Bradesco e Amil – movimentavam muito dinheiro e incluíam (verdade mesmo?) orientações que favoreciam a presença destas empresas na cobertura jornalística.

Não é novidade que jornalistas de prestígio (boa parte deles ou a maioria?) comandam empresas que prestam assessoria a grandes companhias. É óbvio (teria que ser diferente?) que, dentre os seus serviços mais requisitados e bem pagos, está o incremento do relacionamento com a imprensa. Eles ministram também palestras ou são mestres de cerimônias em eventos empresariais, escrevem textos para relatórios institucionais e por aí vai. A pergunta que surge imediatamente: isso pode ou não pode? Essa relação é ou não é arriscada tendo em vista a independência editorial dos veículos?

As empresas jornalísticas têm, como qualquer outra empresa, seu código de conduta e ele precisa, obrigatoriamente, contemplar todas essas situações de maneira transparente para evitar interpretações que possam penalizar injustamente os seus profissionais.  O código de conduta da Globo é conhecido por todos os profissionais que lá trabalham? E todos o cumprem, e só o Dony é que resolveu afrontá-lo?

Não podemos ser hipócritas porque há muita gente fazendo esse jogo duplo com conhecimento de empresas jornalísticas que, no fundo, pressionam os seus profissionais para que favoreçam os seus anunciantes, sejam eles da área empresarial, política ou governamental. Há veículos que não passam de balcão de negócios e que, em função disso, não teriam condição alguma de impor restrições ao trabalho de seus jornalistas. Agem como o cachorro mordendo o próprio rabo.

Os veículos jornalísticos praticam abertamente o malfadado “jornalismo patrocinado”, um modelo de negócios que aumenta enormemente a receita, mas que afronta a ética jornalística, com a justificativa cínica de que nada tem a ver com a redação, embora todos eles insistam em atrair clientes para uma parceria, que embora recompensadora, lesa o direito à informação de qualidade.

Os episódios exigem posicionamento das entidades, da sociedade, e um debate amplo para que pelo menos a gente não se surpreenda quando outros de igual teor ocorrerem no futuro.

A ética jornalística deve ser respeitada por profissionais e pelos seus patrões. Ao que parece, uns e outros andam pisando na bola, mas a corda sempre arrebenta de um lado só. Ver emissoras de televisão comendo na mão de autoridades e caciques da mídia se curvando a empresários inescrupulosos nos faz concluir que há um desequilíbrio na relação entre patrões e trabalhadores. Que a ética prevaleça sempre, mas, ao que parece, o buraco é mesmo mais em cima.

Wilson da Costa Bueno, Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa, consultoria na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado.